meu irmão se casou. e de toda a emoção e alegria, de
todo pequeno gesto de imenso amor, o que me sobrou foi essa sensação terrível
de estar só. eu nunca fui tão sozinha.
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fico me perguntando quanto tempo mais eu ainda vou me
punir, quantas vezes mais eu vou precisar chafurdar na merda pra me sentir
limpa, viva. quanto sofrimento ainda me cabe?
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eu tenho um psiquiatra, entre idas e vindas, há quase dez
anos. foi ele quem me tratou da depressão e do transtorno de ansiedade. e de
todas as recaídas. da última vez, ele disse pra minha mãe que meu problema era
“angústia da separação”. ele interpretou essa constante sensação de
inadequação, de não pertencimento como uma dificuldade de estar longe dos meus
pais, saudade de casa, da minha cidade, enfim. e tentou me tranquilizar dizendo
que logo eu voltaria pra casa, com dois títulos e tudo ficaria bem. ele não
poderia estar mais errado, mas eu não argumentei porque, não sei bem, acho que
por cansaço. só queria as minhas receitas e o esquema com canetas coloridas.
deixei ele pensar que me descobriu.
eu tenho uma psicóloga, entre idas e vindas, há quase dez
anos. foi ela quem esteve comigo quando eu tive uma depressão profunda e uma
crise de ansiedade. foi ela quem esteve comigo em todas as recaídas. é sempre ela
quem me acode quando, num desses raros momentos em que eu cosigo encarar a
realidade, eu me desespero e perco o controle. como quando eu finalmente
percebi que o remédio não me tiraria da minha letargia e resolveria todos os
meus problemas. da última vez, ela me disse, depois de me olhar daquele jeito
que me revela mais do que eu gostaria e poderia, que eu estava sozinha. sobre o
sentimento de não pertencer a este mundo, ela me disse que todos estes, tão
superiores, tão cheios de si, um dia ‘cairiam’ e perceberiam que somos todos da
mesma matéria. e que eu não precisaria sofrer esta queda porque eu sou
diferente. o que eu não consegui dizer é que, na verdade, eu já caí. e o fato é
que eu não consegui me levantar. eu não consegui encontrar o caminho de volta.
e se ela não puder me trazer de volta, ninguém mais pode.