quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

estava assistindo novela com minha mãe. ela segurando minha mão e conversando. coisas bobas. as gracinhas do meu afilhado, o calote da minha tia, o último desaforo da minha avó. daí ela me contou das bodas de prata de um casal de amigos. e eu perguntei por que eles, meus pais, não tinham comemorado as bodas de prata. e ela me disse que sim, eles comemoraram. compraram alianças novas, foram à igreja, receberam benção do padre. eu já estava achando que tinha batido com a cabeça e perdido parte da memória porque, né, não me lembrava disso. ela disse que sim, eu sabia. sim, ela me disse. e não, eu não quis ir. eu. não. quis. ir. deliberadamente, eu não quis fazer parte deste momento. e não sei dizer nem quanto tempo faz isso. não sei se eles completaram bodas de pérola ou bodas de pinho. porque eu não estava lá. 

minha mãe me dizendo isso com toda a naturalidade, sem um pingo de ressentimento. eu, chocada. então eu fiquei tentando me lembrar de todos os momentos em que eu não estive lá. quando minha mãe operou, eu não estava lá. quando meu pai ficou doente, eu não estava lá. meu irmão entrou em crise e eu não estava lá. meus pais choraram porque não podiam pagar uma faculdade particular pra mim, um curso que, meu deus, eu nunca concluiria. eu não estava lá. eu nunca estive lá. 

perdi muito tempo da minha vida. eu vivi no meu universo particular por alguns bons anos. exclui todo o resto do mundo. eu fugi. e, quando as coisas saem do controle, eu continuo fugindo. mas eu não tinha noção. não consegui perceber que eu também afastei minha família. a mesma família que me acarinhava e me confortava quando eu chegava em casa bêbada, chorando, arrependida. essa mesma família que me acalmava e segurava minha mão quando eu acordava a noite chorando, em desespero. essa mesma família que, sempre que eu preciso, viaja quase 700 km pra me ver. e eu nunca estive lá.

eu tenho tomado parte de muitos pedaços de mim nos últimos tempos. e muito do que eu apreendo não me faz orgulhosa de quem me tornei. tenho que aceitar e conviver com todas essas grandes nódoas. tinha esperança de entender e de preencher esse vazio. e o que eu vejo são só espaços em branco. desvios e caminhos interrompidos. porque eu não estava lá. eu nunca estive.

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