eu ia até o consultório dela toda semana. sentava no sofá
branco, do lado da caixa de lenços, e olhava a parede azul. e ela me fazia
perguntas. e eu ficava irritada porque, imagina, ela não tinha esse direito.
digo, de vasculhar e invadir minha alma daquele jeito. ela me fazia perguntas e
eu chorava. porque tamanha dor não se deixa pronunciar. mas ela não
desistiu de mim. e, aos poucos, eu baixei a guarda. me desarmei. e, aos poucos,
fui encontrando todas as respostas. um dia, queria falar sobre uma coisa que eu
sentia, mas não entendia. então escrevi. e ela me disse: você está apaixonada.
eu estava apaixonadinha pelo instrutor da academia e não sabia. não conseguia
entender. foi a primeira das cartas. a primeira de uma centena de cartas
amareladas, com uma letra trêmula, dobrada em três partes exatamente iguais. e
eu nunca mais parei de escrever. um sem-fim de cartas que me rasgam, me
despedaçam. aprendi que era mais fácil escrever. e percebi que todos esses
estranhos sentimentos só se tornam reais quando escritos. ainda não entendo uma
porção deles. e tem aquele que eu ainda não consigo nomear. mas esse eu
já conheço. sei quando chega sorrateiramente e se instala num cantinho escuro,
atrás de todo rancor e toda mágoa guardados com tanto cuidado. mas esse não
dá pra esconder. porqueesse é o que me faz abandonar todas as
fantasias rotas, que já não me cabem, mas que insistem em permanecer. esse é
aquele que faz os dias mais coloridos. que me faz leve. hoje eu
escrevi pra ela o que eu não sabia dizer anos atrás. hoje eu escrevi, soterrado
em pensamentos tortos e ideias dispersas, discretamente, no fim da página:
estou apaixonada. agora eu sei que é real. porque hoje, no momento em que eu
deveria limpar a mente e o coração antes da luta, eu fechei os olhos e vi você.
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